quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Primeiro Fausto (Fernando Pessoa)



Se me faltas [...]

Mas tu fazes, amor, por me faltares
Mesmo estando comigo, pois perguntas —
Quando é amar que deves. Se não amas,
Mostra-te indiferente, ou não me queiras,
Mas tu és como nunca ninguém foi,


Pois procuras o amor pra não amar,
E, se me buscas, é como se eu só fosse
Alguém pra te falar de quem tu amas.
Quando te vi amei-te já muito antes:
Tornei a achar-te quando te encontrei.


Nasci pra ti antes de haver o mundo.
Não há cousa feliz ou hora alegre
Que eu tenha tido pela vida fora,
Que o não fosse porque te previa,
Porque dormias nela tu futuro.


E eu soube-o só depois, quando te vi,
E tive para mim melhor sentido,
E o meu passado foi como uma 'strada
Iluminada pela frente, quando
O carro com lanternas vira a curva
Do caminho e já a noite é toda humana.


Quando eu era pequena, sinto que eu
Amava-te já longe, mas de longe...
Amor, diz qualquer cousa que eu te sinta!
— Compreendo-te tanto que não sinto,
Oh coração exterior ao meu!


Fatalidade, filha do destino
E das leis que há no fundo deste mundo!
Que és tu a mim que eu compreenda ao ponto
De o sentir...?

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